quinta-feira, 17 de março de 2011

Ser filho numa metrópole

Quando fui buscar o Bruno na escola, ele já tinha planos para sua tarde:

- Mãe, quando eu chegar em casa vou fazer um livro. Você sabe, né, eu quero ser autor de livros quando crescer. E hoje vou desenhar uma história sobre os Angry Birds.

- Sobre o joguinho de celular?

- É, do celular do papai. Já que hoje eu não posso jogar porque papai está trabalhando, vou fazer um livro e mostrar para ele à noite.


Mas a noite chegou e seu pai não.

Era hora de dormir e tudo o que restava fazer era telefonar e lhe perguntar se estava perto ou se ainda estava preso no trânsito.

- Pai, onde você está?... ainda?!?! Aaaahh... – e desligou sem se despedir, tão frustrado que estava. – Papai ainda está no trabalho! Não é justo! Por que ele chega tão tarde em casa?

- É porque ele anda trabalhando muito, querido.

- Então deveria ser o contrário, ué. Se ele está trabalhando muito, deveria terminar o serviço logo e voltar cedo para casa.

Vestiu o pijama chorando. E eu fiquei pensando em quantas casas de São Paulo a cena se repetia naquele mesmo instante. Ele me pediu que o ajudasse. Como eu gostaria de consertar a rotina metropolitana, Bruno... Tudo o que pude lhe dizer foi que ele poderia ligar para conversar um pouco com o pai e lhe dizer boa noite. No começo ele achou que não era suficiente, mas respirou fundo, enxugou as lágrimas e discou o número do celular do pai.

- Pai... você pode conversar um pouco comigo?

Durante a conversa, seu coração foi se amansando com o colo que recebia via telefone. Contou-lhe sobre seu dia na escola, sobre o livro que tinha começado. E ainda recebeu a boa notícia de que papai estava a caminho de casa.

- Então, boa noite, pai. Enquanto você não vem, vou lhe escrever uma mensagem, tá legal? Tchau!

Correu para pegar um lápis em seu estojo e me pediu uma folha de papel.

- Mãaaaae, como se escreve “coisa”?

E desatou a escrever, rápido como o ritmo de seu coração, feliz pela idéia genial que teve para se sentir mais perto do pai. Começava com “Querido papai, eu tinha tanta coisa para te mostrar...” e continuava de um jeito... que não foi possível manter meus olhos secos.

- Mãe, podemos rezar para o papai conseguir chegar mais cedo em casa?

Sentamos em sua cama, e ele começou:

- Papai do céu, ajuda o papai a voltar mais cedo do trabalho e a sair mais cedo para o trabalho. Amém.

Depois que li uma história, ele se aninhou no travesseiro e pareceu adormecer. Encostei a porta. Cinco minutos depois, a chave girou na sala com seu barulho inconfundível, que sempre anunciava a chegada de alguém muito amado. Bruno abriu a porta de seu quarto e saiu correndo abraçar o pai.

E como criança tem prioridade na fila de preces, papai do céu fez meu marido dizer, inocente:

- Amanhã, vou sair mais cedo e levar o Bruno para a escola, posso?

E viveram sonolentos e felizes, por todo o dia seguinte.