sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Itadakimassu! - Momento mágico

Hora da janta, um descuido repetido, desperdício, bronca.  Limpou-se a lambança, choro e sentimento de injustiça:

- Foi só um acidente, poxa!!  Acidentes acontecem!!

- Bruno, o que me deixou brava não foi a bagunça.  Foi o desperdício de comida e o desrespeito com o trabalho que eu tive de fazer a janta.  Você viu quanto tempo eu levei pra fazer a janta.

Então o rosto dele mudou.  Caiu uma ficha nele.

Refiz o prato dele porque, por sorte, ainda havia mais na panela.  Jantamos de cara fechada.  Quando ele ficou satisfeito, sentou do meu lado.

- Na hora eu achei que você tinha ficado brava por causa da sujeira e fiquei muito confuso.  Mas depois entendi.  Desculpa.

Eu expliquei pra ele então um conceito que aprendi há pouco tempo de uma prima muito querida: o do "Itadakimassu".  "Itadakimassu" é uma palavra que funciona como a oração antes de comer.  O conceito mais difundido é o de agradecimento à pessoa que está fazendo a comida.  Mas as crianças modernas do Japão estão deixando de falar "Itadakimassu" porque se come muito fora de casa, e então elas pensam "meu pai está pagando pra ele fazer essa comida, eu não preciso agradecer".

Porém esse é um agradecimento que vai além, vai também para os agricultores, para todas as pessoas envolvidas no processo da comida chegar até nossa mesa, para a natureza que possibilitou a existência dessas hortaliças, para o animal que foi sacrificado para nos alimentar.

Pela carinha do Bruno, caiu mais uma ficha.  Ele se sentou ainda mais aninhado em mim, como quem quer ouvir mais.  Contei mais uns causos clássicos sobre situações extremas de falta de comida.  É, a gente gosta de conversar longamente depois de uma briga, uma mania de nosso núcleo familiar, sei lá...

Então perguntei:

- Vai bem uma panquequinha de sobremesa?

Ele ficou perplexo.  Depois de tudo, ele ainda ia ganhar uma panqueca?

- Um minutinho, mãe, um minutinho...

Foi até ali e um pouco depois voltou:

- Dessa vez eu é que vou fazer o sacrifício de fazer a panqueca!

E ficou fofinha que só com amor mesmo.  Repartida como nas aulas de fração.


E assim tivemos mais um momento mágico...


quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Lambuzar é preciso



Amo essa foto.  Aqui o Bruno tinha 11 meses.  Pra matar a curiosidade, os alimentos que posam para a foto são arroz, feijão preto (não era feijoada não, heim), beterraba e uma verdura irreconhecível.  E posso garantir que  a lembrança mais forte dessa época não é a de ficar limpando o chão.  É a de ver a carinha dele se deliciando.  A lambança não foi em vão: hoje ele adora brócolis, quiabo, bardana, tofu.

O que me fez sacar essa foto do fundo do baú foi este post sobre um método de introduzir alimentos sólidos a bebês que eu não conhecia:


Eu não teria coragem de oferecer uma coxa de frango a um nenê de 6 meses como o do primeiro vídeo, mas esses exemplos extremos são inspiradores para reavaliar medos, neuras, conceitos de assepsia e preguiças.


quarta-feira, 3 de julho de 2013

Para um dia se lembrarem




Desejo me lembrar desse instante para sempre.  Não quero me esquecer do quanto gosto de ver como seus traços são tão parecidos, como são tão companheiros, cúmplices, tão filho de um e pai do outro. 

Quero também que vocês não se esqueçam. Vêem? Como é especial esse minuto? Percebem que esse instante tão corriqueiro, na sala de casa, num abraço, numa partida de xadrez, numa caprichada escovação de dentes, num jogo do Brasil, na passada hora de dormir, é o que depois vai ter sido importante? A vida de vocês, juntos, pai e filho.  Queria tanto que vissem o que eu posso ver daqui de canto.  Que esse minuto de vocês, juntos, não vão lembrar por inteiro.  Que vai se acabar e que amanhã já quase não terá importância.

Mas olhem, meninos, amanhã é muito cedo.  Amanhã essa lembrança não vale nada, mas quando esse pequenino crescer, quando tudo estiver às avessas, esse minuto será a vaga lembrança, cada dia mais nítida, do que vocês verdadeiramente são. 


domingo, 30 de junho de 2013

Momento mágico do lençol branco

Eu ainda não tenho coragem de levar o Bruno para uma manifestação.  Mas também não podia deixar passar batida aquela segunda-feira marcante da história de nosso país.  Foi uma segunda em que até o ar da manhã estava diferente, afoito, ansioso pelas badaladas das 17h.

Então peguei o lençol branco e andei de uma janela a outra do apartamento, até encontrar uma em que ela ficasse bonitona balançando ao vento do décimo oitavo andar.

O Bruno até tentou se manter indiferente em meio aos seus games, mas não é sempre que a mãe se põe a colocar um lençol branco na janela por causa de uma notícia da TV.  Algo diferente estava acontecendo, ele sabia.

- Olha, Bruno, toda essa gente está se reunindo para uma manifestação.

- Deixa eu ver quem mais colocou lençol branco na janela. (...) Xii, mãe, nós somos os únicos aqui do nosso condomínio.

- Não tem problema não, Bruno, a gente faz nossa parte.

Uma parte tão pequena, eu sei, naquele momento era uma participação muito miúda.  Só que eu sei, eu realmente acredito que assim, pequenininho, estou participando de uma maneira grande sim, formando um cidadão.

- Olha mãe, já estão contando que são 40 mil!

E juntando um pequeno cidadão aqui e outro acolá, de repente temos uma nação que cresce.

- E no Rio de Janeiro já são 100 mil!!!

E assim, simbolicamente, o Bruno guardou com carinho sua participação naquela segunda-feira de manifestações.  Acompanhou maravilhado a multidão tomando as ruas do país, mostrou  com entusiasmo ao pai o lençol branco balançando no escuro, contou-lhe sobre os números de manifestantes  - que na hora não importava se eram 65, 100 mil, um milhão.  Eram muitos.

Aquele dia, naquele dia, eu sei que não foi nada.  Só que eu acredito que esse esporo de cidadania um dia vai eclodir da memória, em forma de força extra para fazer a sua, a sua parte, na confiança sobre a união de forças, numa luta que pode parecer solitária olhando daqui da janela.

Amanhã vai ser maior.  Tudo começa pequeno. Amanhã vai ser maior!...

quarta-feira, 5 de junho de 2013

9 anos: xeque-mate


9 anos!... Quando foi que tudo isso aconteceu? Se quando o Conversa de Penico começou ele era campeão de frases fofas, hoje ele é um grande estrategista nos argumentos.
(Psiiiu... não conta pra ele que eu continuo achando ele fofo... é meu filhote, vou fazer o quê?!?!)

Ele andou uns dias testando até onde ia nosso limite quanto aos seus horários.  Apesar de ser responsável por administrar seu tempo para fazer lição de casa e suas tarefas, andava adiando, adiando, até que chegou o dia em que eu disse que era hora de dormir e só então ele foi fazer lição. Aí pegou.

- Bruno, você não está mostrando que tem responsabilidade pra controlar seus horários.  A partir de agora, eu é que vou controlar seus horários.

- O quê?? Eu vou ter que seguir os horários que você mandar?

- Sim. Só vai brincar e assistir TV depois de fazer todas as suas tarefas.  E pra ter de volta sua liberdade com os horários, vai ter que me provar que é responsável o suficiente pra isso.

Uhm. Pra quê, né?

- Mas mãe!... se eu não posso controlar meus horários, como é que eu vou poder provar que posso controlar meus horários?!?!

Não adianta, não há espaço para deslizes. Sempre há uma brecha na legislação que ameaça a ordem.

Por outro lado, com tanta maturidade, ele também toma conta de mim:

- Mãe... o que você tem? Você tá bem? - ele disse, meio alarmado

- Tô sim, Bruno.  Só tô com sono, muito, muito sono.

E fui para o computador.  O Bruno veio atrás.

- Mãe!!!  Se é só facebook, vai dormir!!!

E assim, de xeque em xeque, vamos entrando na pré-adolescência.  E eu fico aqui pensando até quando será que vou continuar achando ele um fofo...





segunda-feira, 25 de março de 2013

O brincar de hoje e o de sempre

Um dia estávamos pintando um quarto aqui em casa e desligamos o modem.  Passa uma hora, passam duas, até que o Bruno perguntou ao pai:

- Quanto tempo vamos ficar sem Internet?

- Acho que o dia todo, filho.

- O QUÊ?!?! O dia todo??? Como é que eu vou ficar o dia todo sem Internet??

E como "ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais"...

- Sabia que quando eu era criança nem existia Internet? A gente passava todos os dias sem Internet.

Pronto.  Com a bola levantada, Bruno fez ponto:

- É.  Não tinha Internet, mas tinha quintal!

Só para lembrar o que muitos já dizem por aí, nada adianta proibir a criança de ver televisão ou de jogar videogame.  Se ela mora num apartamento, que opções ela tem?  O Bruno ainda é filho único e seus brinquedos têm a péssima mania de não serem tão divertidos quanto brincar com outras crianças.

Ué, e por que não levamos ele para brincar no campo, por que não mudamos para uma casa, por que não saímos de São Paulo?  Talvez estejamos enroscados demais na rotina da cidade e de todo o trabalho diário que ela nos exige que nem sabemos fazer isso, como se estivéssemos correndo sem parar numa esteira de academia, de frente para uma parede de vidro.  Sabendo que o mundo está lá fora, que basta diminuir a velocidade até ela parar e então sair.  Porém presos ao contador de tempo, de calorias consumidas, de batimentos cardíacos, de quilometragem...

E quando vejo um vídeo como este, do Território do Brincar, eu me sinto muito mais próxima de um hamster engaiolado:



Claro que há o contraponto da educação, cultura, acesso ao trabalho e tudo mais, tanto que são estas as questões que sempre ganham na nossa balança.  E por isso mesmo é que sinto tão necessário contemplar este brincar autêntico, deixando chegar as lembranças da própria infância, refletindo sobre a assepsia exagerada dos valores urbanos e curtindo a dor de não proporcionar ao meu filho a pura simplicidade.

(Clique aqui para conhecer mais sobre o projeto Território do Brincar)